Sempre foi “difícil admitir que Madalena era uma apóstola, a primeira entre os apóstolos à qual se manifestou o Senhor ressurgido. Por isso, precisamente dela, isto é, da restituição do lugar que lhe cabe na tradição cristã, pode finalmente partir o reconhecimento do papel das mulheres na Igreja. O Papa Francisco entendeu-o claramente e encetou deste modo um processo que não poderá mais ser detido”.
Isto escreve Lucetta Scaraffia, jornalista, historiadora e professora da Universidade La Sapienza de Roma, em artigo publicado por L’ Osservatore Romano, 11-06-2016. A tradução é de Benno Dischinger. Eis o artigo.
Há quase dois mil anos estava, sob os olhos de todos, a presença decisiva de Maria Madalena diante do sepulcro vazio, sendo ela a primeira a dar a boa nova da ressurreição: precisamente ela, uma mulher. Ninguém, no entanto, parecia verdadeiramente ter-se dado conta disso. No decurso dos séculos se formaram até historietas misóginas, como aquela de que Jesus tivesse aparecido acima de tudo a uma mulher porque as mulheres tagarelam mais e assim a notícia ter-se-ia difundido mais rapidamente. Além disso, alguns autorizados comentadores se tinham perguntado por que o ressuscitado teria transcurado a sua mãe, chegando até a imaginar uma aparição a Maria antes do encontro com Madalena, de modo a restabelecer uma hierarquia que se considerava alterada.
Sobre Maria de Magdala, precisamente por sua evidente proximidade com Jesus, tinham surgido até vozes inquietantes, tanto a fazê-la tornar-se símbolo da transgressão sexual, relançado por lendas tenazes, vivas ainda hoje: muitos recordam a Maria Madalena do filme de Martin Scorcese, A última tentação de Cristo, e certamente muitos outros leram o Código da Vinci, best seller fundado precisamente sobre o presumido segredo do matrimônio entre ela e Jesus.
De resto, Madalena é a única protagonista importante da história sacra a ter sido representada na iconografia um pouco distinta, e quase sempre com os cabelos rubros, por longo tempo considerados sinal de desordem sexual. Em substância, também quando era considerada uma santa, era configurada quase como símbolo oposto à imagem virginal de Maria, vestida de branco e azul. Tanto que entre as feministas dos anos Setenta começou a difundir-se o costume de chamar as suas filhas de Madalena, como sinal de rebelião à tradição religiosa. De olhar mais precavido foi, ao invés, a tradição popular que imaginou uma viagem sua por mar até às costas meridionais da França: para evangelizar, precisamente como os outros apóstolos, uma parte do mundo então conhecido.
Tão longo e difícil foi o caminho que levou à aceitação da verdade, uma verdade simples, porém expressiva de uma mensagem que muitos não queriam escutar: ou seja, que para Jesus as mulheres eram iguais aos homens do ponto de vista espiritual, tendo elas o mesmo valor e as mesmas capacidades. Por isso era tão difícil admitir que Madalena era uma apóstola, a primeira entre os apóstolos à qual se manifestou o Senhor ressurgido. Por isso, precisamente dela, isto é, da restituição do lugar que lhe cabe na tradição cristã, pôde finalmente partir o reconhecimento do papel das mulheres na Igreja. O Papa Francisco entendeu-o claramente e encetou deste modo um processo que não poderá mais ser detido.
Impressiona que a data do documento seja aquela do dia no qual se festeja o Sagrado Coração de Jesus: uma devoção difundida por uma mulher, Margarida Maria Alacoque, e relançada com paixão por tantas santas oitocentistas, como Francesca Calabrini. São outras confirmações, estas, que as mulheres na Igreja sempre as têm havido, que elas têm desenvolvido papéis importantes e têm contribuído à construção da tradição cristã.
Gratidão, então, ao Papa Francisco da parte de todas as mulheres cristãs do mundo, porque, com a criação da nova festa de Santa Maria Madalena, lhes confere especial valor.
Fonte: Ihu e http://pastoraldamulherbh.blogspot.com.br
Contribuição Iracema Soares, REAJE