Sob o lema “Migrantes, refugiados e fronteiras: da exclusão à hospitalidade”, o evento se desenvolveu em Madri
São Paulo (SP), 13 de Setembro de 2016
Apesar das discriminações que sofrem, as mulheres imigrantes, refugiadas e deslocadas demonstram uma grande capacidade de resistência, resiliência e empoderamento / Reprodução
Entre os dias 8 e 11 de setembro, celebrou-se em Madri, na Espanha, o 36º Congresso de Teologia, organizado pela Associação de Teólogos e Teólogas Juan XXII. O tema central foram os direitos dos migrantes, a situação dos refugiados e as políticas de acolhimentos necessárias para abordar a questão no mundo.
“Estas pessoas são consideradas ‘população de sobra’, produto da ‘cultura do descarte’, o que nos torna incapazes de compadecer diante dos clamores dos outros. São vítimas de um sistema baseado no Deus Dinheiro, do capitalismo perverso e da acumulação mafiosa do capital”, afirmam, recuperando as palavras do Papa Francisco, no documento final lançado no último domingo (11).
Confira o texto completo:
Mensagem do XXXVI Congresso de Teologia
Do 8 a 11 de setembro de 2016, temos celebrado o 36º Congresso de Teologia, que reuniu pessoas e coletivos procedentes dos diferentes continentes, povos, culturas e religiões para refletir sobre o tema “Migrantes, refugiados e fronteiras: da exclusão à hospitalidade”.
Participaram do encontro ativistas sociais comprometidos com os campos de refugiados e com as zonas fronteiras, que têm aportado suas experiências. Também nos acompanham representantes dos povos oprimidos e esquecidos. Temos contado com especialistas em relações internacionais, processos migratórios, que tratam de seres humanos, teoria de gênero, assim como teólogos e teólogas que têm feito análises críticas da situação e oferecido interpretações libertadoras dos textos religiosos.
- Existem no mundo 200 milhões de migrantes, 60 milhões de deslocados, 20 milhões deles refugiados e 40 deslocados internos, e 4 milhões de vítimas de tráfico. Os mais vulneráveis são os meninos, meninas, mulheres, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, intersexuais, sujeitos a todos os tipos de assédio: assédio sexual, agressões físicas, tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos, trabalho forçado, prostituição, violência de gênero. São pessoas sem nome, sem rosto, sem identidade reconhecida. Eles vivem uma solidão social, política, moral e legal. A eles é negada a dignidade e o direito à vida, como evidenciam as milhares de pessoas mortas na tentativa legítima de atravessar fronteiras.
- Na expressão de Francisco, estas pessoas são consideradas “população excedente”, produto da “cultura do descarte”, que nos torna incapazes de nos compadecermos ante os clamores de outros. São vítimas de um sistema baseado no Deus Dinheiro, do capitalismo perverso e da acumulação mafiosa do capital. Quem se beneficia com esta situação é uma elite político-econômica, patriarcal, colonial, racista e anti-ecológica, que move três grandes negócios: a segurança, a economia política das migrações e a gestão de pessoas em movimento.
- Apesar das discriminações que sofrem, as mulheres imigrantes, refugiadas e deslocadas demonstram grande capacidade de resistência, resiliência e empoderamento.
- Os países de acolhimento são, em sua maioria, países do sul, enquanto que a maioria do Norte fecha suas portas a todo custo, protegem as suas fronteiras com barreiras, cercas, polícia e forças militares, negam o direito de asilo, seguem políticas equivocadas de segurança, violam os protocolos internacionais e seus próprios compromissos, e não demostram vontade de acolher.
- A falta de solidariedade dos Estados do Norte contrasta com a solidariedade demonstrada por uma parte importante da sociedade, que adota atitudes de hospitalidade, e com o trabalho de movimentos sociais, ONGs e agentes de desenvolvimento, que trabalham nos campos de refugiados e nas fronteiras.
- O Papa Francisco está adotando atitudes exemplares de acompanhamento e acolhida, ao denunciar a hipocrisia dos governantes e poderes econômicos e financeiros europeus. Dirigindo-se a eles em sua visita à Lampedusa pronunciou a palavra “vergonha”. Aos parlamentares europeus disse que não é tolerável que o Mediterrâneo se converta em um grande cemitério nem que se negue o acolhimento a quem chega diariamente em nossas costas, muitas vezes morrendo na tentativa nas barcaças. Atuar desta forma é negar sua dignidade e favorecer o trabalho escravo.
- A atitude hospitaleira do Papa contrasta com a insensibilidade de um setor importante da hierarquia católica espanhola para o drama das pessoas migrantes e refugiadas, cujos problemas parecem ser alheios ou não é uma prioridade na sua agenda pastoral. Além de insensibilidade, há bispos que, apoiando-se no mau uso da liberdade de expressão, adotam atitudes racistas, xenófobas, excludentes e inóspitas quando alertam irresponsavelmente sobre a “invasão” dos refugiados, questionam se todas as pessoas que atravessam a fronteira são “trigo limpo” e afirmam que, para a Europa, vêm muito poucos por serem perseguidos.
Alguns até disseram que a chegada de refugiados é o Cavalo de Troia das sociedades europeias e, particularmente, da espanhola, e que o acolhimento de refugiados pode ser muito bom, mas “temos que saber o que está por trás”.
Estas declarações são feitas a partir da impunidade legal e desfrute de todos os privilégios do Estado: educativos, sociais, fiscais, econômicos, financeiros. Privilégios que os afastam do Evangelho como uma mensagem libertadora de Jesus de Nazaré.
- Queremos denunciar energicamente tais declarações, que demonstram ausência total de misericórdia e de falta de sentido de hospitalidade, afastando-se da mensagem hospitaleira da Bíblia, que pede para amar aos migrantes, não maltrata-los nem oprimi-los, “porque os emigrantes fostes vós na terra do Egito” (Êxodo 22:20), e são contrários à prática acolhedora de Jesus de Nazaré, ele próprio perseguido, emigrante e identificado com os emigrantes (Mt 25,31-45).
- Em nome do Deus da Vida e da Paz condenamos o terrorismo, neste caso, o terrorismo baseado em motivos religiosos que mata em nome de Deus e que provoca a saída de populações inteiras para fugir do terror.
- Exigimos dos Estados:
- o cumprimento dos protocolos internacionais em matéria de imigração, refugiados e das pessoas deslocadas;• a abertura de rotas seguras que impeçam cair nas redes de máfias;
• a não participação no negócio de venda de armas usadas para apoiar o terrorismo e os governos ditatoriais;
• combate ao racismo institucional; negar legitimidade a governantes corruptos e autocráticos;
• apoio às organizações humanitárias que trabalham na área;
• promoção de políticas de desenvolvimento nos países de origem;
• cumprimento de seus compromissos de acolhimento;
• promoção do diálogo intercultural, inter-religioso e inter-étnico.
- O Congresso quer expressar sua solidariedade com os povos oprimidos e esquecidos com o kurdo, o palestino e o saharaui, a quem é negado o direito de independência e submetidos a todos os tipos de abusos. Todos eles integram numerosos emigrantes, refugiados e deslocados.
- As pessoas que participaram deste Congresso de Teologia se comprometem a:
- lutar contra a ideologia e o sistema econômico que provoca a exclusão de milhões de pessoas;• denunciar a transgressão sistemática dos direitos humanos das “pessoas em movimento” por parte dos Governos;
• trabalhar por outro mundo possível de hospitalidade;
• seguir a prática solidária de Jesus de Nazaré;
• fazer uma nova teologia da emigração;
• passar da exclusão à hospitalidade.
Madri, 11 de setembro de 2016.
Tradução: María Julia Giménez
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Para ver a carta original clique aqui
Colaboração da Ir. Delva de Oliveira em sua participação na discurssão no Fórum Político Inter-religioso